MINHA HISTÓRIA
Tento fazer
nascer a minha história, mas constato que minha história mais explícita tem
segredos inconfessáveis. Passo a mão pelo meu corpo em um desejo de carícias,
sinto a pele eriçada pelo frio e experimento a maciez da seda misturando-se aos
primeiros ensejos da luz de um outro hoje. Talvez agora eu possa chegar à
verdade, talvez a verdade seja este encontro particular e inexplicável. Naturalmente,
vou sentindo-me tão interior e tão íntima que não existe agora nenhuma palavra
que possa me definir. Às vezes sinto
vontade de me enganar, mas neste momento quero viver minha vida incipiente, sem
ilusões, aquela que respira fundo e bem no fundo. Quero entender quem sou.
Percebo que
até agora caminhei, de fracasso em fracasso, de vitória em vitória, e me reduzi
ao que sou, presa a um corpo que nem sempre me acompanha, que demonstra, tantas
vezes, ter vontade própria e me deixa apenas migalhas para saciar minha fome
absoluta. Minha nudez é necessária, é como se eu ultrapassasse o último obstáculo
que me separa de mim mesma. E no esforço de não me enganar, concluo que estou
incompleta.
Sempre
conheci a culpa. Era fácil me redimir - a derrota me satisfazia, era um alento.
E usava o flagelo, o castigo, como salvação. A derrota me satisfazia porque
estava ligada a todos os fatos que foram, estavam ou seriam a causa de minhas
emoções e deixavam à mostra minhas fraquezas.
Penso agora
em meu maior defeito, a prepotência. Foi com ela que tentei me esconder da
vida, foi ela que me fez manipular minhas próprias emoções e acreditar
conseguir viver na superfície, sem mergulhar em sentimentos reais e que, vejo
agora, sempre existiram. Foram essas as minhas escolhas. Escondi tanto, tanto,
tanto, minhas dores e meus amores até acreditar-me incapaz de amar,
principalmente a mim mesma.
Quero
pensar no amor. Esse sentimento incompreensível e negado sempre solidificou
emoções no campo físico. Foram esses os desacertos que me fizeram viver até
hoje. Foi esta a grande crueldade que pratiquei comigo. Olho em volta, o hoje desvirgina
o céu e é lindo, acontece ao meu redor o tempo todo, é a vida. Esta é a vida
real. É a minha chance, minha oportunidade de viver o amor,( primeiro por mim
mesma) para que perca o medo e me dê o direito de sonhar e errar e “errar” em
meus sonhos. Apagar para sempre a personagem criada na dureza do fio da lâmina,
na indiferença, na superfície da matéria.
Sei que
amo, mesmo sem saber, mesmo sem dizer, porque amor é só sentimento e com amor
não se paga, é dado de graça, é levado por este vento que canta, não tem
definição em dicionários, não tem regulamentos. Amor não se troca, não se
conjuga, ama-se porque se ama. Amor é amar a tudo, é amar a nada, e se fortalece
apenas em si mesmo. Sinto que o amor é capaz de vencer a morte, por mais que se
“morra” (e se mate) de amor. Talvez seja o amor apenas um instante, um instante
de sentimento, de conclusão, de lembrança, e vários outros instantes que não me
lembro, ou não conheço, instantes sem razão.
Neste
instante, uma luz diferente pousou em minha pele, além da pele, nos músculos, nos
nervos, no sangue, nos ossos, uma luz branca, vermelha, alaranjada, o céu, o
infinito, girou em torno dos meus pensares feitos de sonhos e de ventos.
Descobri
que tenho destino (ou salvação... ou já me salvei).
Vou vestir
um vestido de seda azul.
Madu Dumont
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